terça-feira, fevereiro 11, 2003

:: Análisando a Psicanálise ::

Descobri: meu analista é lacaniano. Sim, conto meus recônditos problemas para ele há dois meses e não sabia (ainda) a linha que o dito segue. Já contei tudo. Ele, nada para mim. Só descobri essa única informação sobre aquele indivíduo porque fiz papel de detetive.

Análise é assim mesmo. Você está lá, desprotegido da vida, e diante de você, um completo desconhecido. Ele sabe tudo sobre você. Você, nada sobre ele. Nunca tive relação tão desigual na minha existência. Com esse preceito, qualquer zé-ninguém se fortalece. Ele, seu analista, pode bem ser o nerd mala da festa e você, o forte e seguro. Mal a hierarquia se estabelece, no entanto, e ele cresce diante de você. Pode acreditar que nunca você vai sentir tão apequenado.

Pra que serve? Teoricamente, para eliminar as dúvidas das nossas cabeças problemáticas. Quem disse que elas podem ser um lago congelado de placidez? Não podem. O tratamento, então, abrange diferentes estágios de cacholas desigualmente estragadas. Lição número um: livre-se da idéia de que vai sair curado. Mundo sem problemas nem em outras galáxias.

A história, portanto, é se saber encarar melhor os problemas que existem; sim, existem. Algo entre a aceitação e a revolta. Mas o fato primordial permanece o mesmo, o de que problemas sempre haverá. O que lembra a lição número dois: o tratamento será sempre longo, já que existe um estoque infinito deles, os problemas, sendo depositado em nossas portas. Enquanto chegarem, os conflitos se instalarão. Ou seja, sempre. A análise termina sempre por contingências outras; não porque alcançou cura.

Constrangimentos se seguem. Deve-se falar para um boneco sobre quem nada sabemos - como construir alguma imagem dele, Deus do Céu? - coisas que não falamos à mulher que nos pariu. Faz algum sentido pra você? Quando estiver contando sobre seus hábitos sexuais, vai ver que não. Ainda assim vai ser forte e seguir em frente. Análise trata da superação.

Lição número três: não há piedade no dicionário de um analista. Nada a ver com um amigo que está cá nas horas difíceis. O profissional não traz alento. Pelo contrário, traz enfrentamentos terríveis. Ou seja, o analista é ninguém além de um amigo muito, muito indiferente a nossa existência. Ôpa, um amigo relapso e ainda dou dinheiro a ele? É por aí, mas funciona.

E por que será? Simplesmente estamos muito acostumados a uma existência que repele os problemas. Deixamos eles numa caixinha que não mostramos para ninguém. Às vezes nem nós próprios remexemos esse material. Aí o amigo relapso, que além de relapso é meio entrão, chega na nossa casa, abre a caixinha e esfrega nas nossas caras o conteúdo. Não é um espetáculo que um amigo de verdade, ou até a mãe da gente, gostaria de protagonizar, sob pena de perder nosso afeto.

Porém, com o tal do psicanalista não há qualquer relação de afeto. Ele não precisa ser fofo, já deixou claro na primeira sessão que não é nosso cantinho do aconchego, o sofá da Hebe. Está mais para o João Kleber nos expondo ao ridículo numa pegadinha. E ainda sim aceitamos a expiação de bom grado. Vai entender a espécie humana... Só sendo analista.


Direto do blog Chocolate.

:)))

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