segunda-feira, maio 31, 2004

:: Nação Partida ::

Leiam só este artigo da Miriam Leitão sobre a situação dos nossos vizinhos colombianos.

O Brasil conhece pouco seus vizinhos. Temos apenas notícias distantes de que hoje existem na Colômbia três Estados paralelos. E podem até ser mais, dada a quantidade de forças que atuam em meio a ligações diretas com o narcotráfico e com a guerrilha. Retrato desta nefasta realidade são as campanhas humanitárias do governo, no rádio e na televisão, sobre os desplazados ; em português, os refugiados internos. O número desses refugiados é assombroso. Em 15 anos, 3 milhões de colombianos — de uma população total de 45 milhões — tiveram que deixar suas casas, terras, roupas, fotografias, lembranças e, muitas vezes, parte da família, fugindo da guerrilha. O que antes era a sua vida passa a ser terra de plantação de coca, de criação de gado de grandes fazendeiros ou front de batalhas entre as Farc, os paramilitares e os próprios militares. Agora, não é mais a saída da companhia bananeira — tão relatada nos livros do Nobel colombiano Gabriel García Márquez — que traz a pobreza; quem leva a miséria é a guerra.

A chaga é tão grande e tão particular ao Estado colombiano que existe uma lei nacional de 1997 para definir o desplazado . Segundo a legislação, é “alguém que é forçado a migrar dentro do território porque tem sua vida, integridade física, segurança ou liberdade pessoal ameaçadas por causa dos conflitos”. Normalmente, saem do campo para as cidades, onde estão concentrados 70% da população do país. Em cada 10 desplazados , 8 encontram-se em estado de pobreza absoluta.

A guerra civil na Colômbia dura mais de 40 anos e mobiliza, em exércitos, cerca de 35 mil pessoas. Já faz parte do dia-a-dia de tal forma que, entre as seções do principal jornal, há a de “conflictos armados”, que trata exclusivamente desses problemas. Nos aeroportos, malas são revistadas mais de uma vez, bem como nos hotéis. Temem-se bombas e o tráfico de cocaína. Um quilo de pasta de coca vale no Brasil quase o dobro do que na Colômbia. Nos Estados Unidos, cinco vezes e, na Europa, dez. Apesar do alto risco e da ilegalidade, é considerado um bom negócio.

Tráfico e guerrilha se misturam de forma muito profunda na questão colombiana. Foi a ausência do Estado que permitiu a aliança. As Farc começaram como uma força de esquerda, mas hoje a maior parte de sua renda é fruto do narcotráfico; a organização se tornou um importante fornecedor mundial de drogas. E é esse dinheiro que possibilita, dentre outras coisas, a compra de armas. Dada a sua violência, nem mesmo os mais à esquerda na Colômbia consideram hoje justa a sua luta. Os grupos paramilitares, de extrema-direita, são defendidos por uns e execrados por outros. Os que defendem os “paras” dizem que é melhor viver à mercê de suas ordens que sob a desordem criada pelas Farc. Outros os acusam de expulsarem a população e se apoderarem de suas terras, mantendo uma cobrança de altos impostos e um clima de ditadura. Os paramilitares também se financiam por meio do narcotráfico.

No poder formal, o presidente Alvaro Uribe luta contra a guerrilha com o apoio dos Estados Unidos, que disponibilizaram um dos maiores orçamentos para países estrangeiros vindos dos americanos. Uribe, antes de ser presidente, foi governador do estado de Antióquia, onde o governo conseguiu fazer uma aliança com os paramilitares e trazer a “paz” de volta à região. Um jornalista conta que a idéia do presidente era ampliar esse pacto para todo o país, mas, apesar de ele afirmar que há avanços em direção à paz, o número de refugiados não parou de crescer no país. Muitos, inclusive, acabam indo para países vizinhos como Equador, Venezuela e o próprio Brasil, que tem com o país uma fronteira de 1.644km.

Ainda na Colômbia oficial, os números do país para este ano, a bem da verdade, são dos melhores da América Latina. Expectativa de crescimento de 4%, inflação para o ano de 5,7%. Há duas semanas, inclusive, o governo esteve negociando a assinatura do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos.

Porém hoje, 30 milhões dos 45 milhões de colombianos vivem abaixo da linha de pobreza no país, sendo que 8 milhões são considerados indigentes. Os refugiados, que em grande parte compõem essa massa miserável, sofrem com a discriminação e faltam condições mínimas de vida. Moram em áreas periféricas, sem saneamento e a maioria não consegue sequer subempregos. Diante desse quadro, não é de se espantar que eles achem melhor quando podem trabalhar nas plantações de coca.

Na Colômbia, não há lado totalmente bom. Um jornalista, explicando o conflito armado, disse:

— As Farc são compostas de pessoas violentas, que não respeitam as terras por onde passam. Isso não acontece com os “para”, que costumam levar ordem às terras que ocupam.

Um outro jornalista diz o oposto:

— A população prefere as Farc pois elas não expulsam para ficar com a terra. Se há um front ali, depois elas deixam estas terras para que as pessoas voltem a morar no local.

Ambos só concordam quando o assunto é a dificuldade em se fazer um jornalismo que consideram “de guerra”. Nos últimos 15 anos, 127 jornalistas morreram na Colômbia em decorrência da violência: seja em coberturas de conflitos, seja por serem acusados por uma das duas partes da guerrilha de estarem servindo ao outro lado. Atualmente, não há jornalista seqüestrado, mas dois estão presos pelo crime de “rebelião”.

Em meio a tantas divergências e ataques — bélicos ou não — de parte a parte, a sensação que se tem, quando se vê bem de perto, é que dificilmente o Plano Colômbia poderá unir o país e salvar seus milhões de desplazados . Eles, as maiores vítimas, continuarão sua sina de refugiados em seu próprio país.


Pensem nisso quando reclamarem da vida!!!

:(((

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